Artigo 56 - Câncer de mama na relação da identidade feminina - Hoje São Paulo
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03/06/2015 - 13h52m

Artigo 56 - Câncer de mama na relação da identidade feminina

Agência Hoje/Dra. Silvia Regina Graziani*  

São Paulo - Poucas doenças causam tanto impacto na identidade do paciente como o câncer. Mesmo nos dias atuais, onde temos inúmeros recursos para informações, o câncer ainda representa um imenso vínculo com a imagem corporal.

Dentre os tumores mais frequentes nas mulheres, estão o câncer de mama e do útero (colo do útero e endométrio), que estão vinculados a sexualidade e a feminilidade, como a perda da mama e da possibilidade de engravidar.

A sociedade por traz de todas as informações ainda não contribui com a imagem feminina, que sempre preza pela aparência da mulher com corpo bem definido por dietas e atividade física modeladora.

Dentro deste contexto de associação a beleza e feminilidade, o diagnóstico de câncer vem acompanhado do temor da perda de cabelos durante a fase da quimioterapia e de alterações de peso, tanto para mais como para menos, estampando na imagem corporal o estigma da doença e a ameaça a vida, frente ao risco da morte.

As alterações na imagem corporal se dão no campo biológico-psiquico e social, onde a imagem desenvolvida de si mesmo pode ser interferida de forma abrupta e a noção da imagem corporal não se restringe necessariamente a apresentação corpórea, mas relacionada com a subjetividade.

A imagem corporal é objeto de estudos desde os anos de 1700, quando Sir Ambroise Paré identificou a sensação de presença e dor no membro amputado, chamado de membro fantasma, em sobreviventes de guerras.

A imagem corporal é a constituição da figura do corpo e que a pessoa tem de si mesmo. É a percepção das estruturas formadas através de sensações de diversas formas que chegam a consciência mental.

No início do século XIX, o pesquisador neurologista e psiquiatra Paul Schilder postulou a ideia de que a figuração de nosso corpo é formada em nossa mente, ou seja, a percepção corporal se dá na nossa área psíquica.

Paul Schilder conceitua imagem (esquema) corporal afirmando que

"... entende-se por imagem do corpo humano a figuração de nossos corpos formada em nossa mente, ou seja, o modo pelo qual o corpo se apresenta para nós" (Schilder: 1994, p. 11).

E considera que “O esquema corporal é a imagem tridimensional que todos têm de si mesmos. Podemos chamá-la de imagem corporal. Esse termo indica que não estamos tratando de uma mera sensação ou imaginação. Existe uma apercepção do corpo. Indica também que, embora nos tenha chegado através dos sentidos, não se trata de uma mera percepção. Existem figurações e representações mentais envolvidas, não é uma representação".(Schilder)

São considerações importantes desta abordagem sobre o tema:

- O contexto existencial, no qual o indivíduo é uma personalidade que experimenta a percepção;

- A energia libidinal e corpo como inseparáveis;

- Conexão intrínseca da postura e do psiquismo (linguagem corporal);

- Experiência existencial do corpo.

Para conceituar a expressão “esquema corporal” usaremos o aspecto histórico que a introduziu nos meios científicos.

A expressão esquema corporal apareceu pela primeira vez em 1911, criado pelo o neurologista Henry Head, com a proposta de construir um modelo postural do ser humano.

Segundo Head o cérebro recebe informações das vísceras, das sensações e percepções táteis, térmicas, visuais, auditivas e das imagens motrizes, o que facilitaria a obtenção de uma noção, um modelo e um esquema de seu corpo e das suas posturas.

Head ainda afirma que o esquema corporal armazena as impressões presentes e as passadas. A imagem do corpo que cada um tem de si mesmo é estruturada no esquema corporal para organizar a imagem do corpo como núcleo central da personalidade, estabelecem-se relações mútuas entre organismo e o meio.

Hoje admitimos que a imagem corporal não é mais puramente uma sensação neurofisiológica, pois também está associada ao componente pessoal (cultural) e social, na medida que se forma a personalidade, as emoções e as relações interpessoais, espaço este conquistado na comunidade e sociedade vigente.

O câncer está intimamente arreigado a ameaça a vida, ameaça a integridade e alterações funcionais do corpo e ainda é uma das doenças mais temidas na data atual. Está mentalmente vinculado a terapias mutiladoras, mudanças nas atividades de vida diária e medo da morte.

O tratamento está intimamente ligado a alteração na imagem corporal, seja por mutilação ou perda de uma parte do corpo, como a mama por exemplo, ou relacionada ao tratamento agressivo como a quimioterapia, o qual a imagem cultural que vem a mente é a perda de cabelo e alteração na coloração da pele, que são indicadores visíveis da doença e desfiguradores da imagem feminina.

O diagnóstico de câncer causa um grande impacto emocional e psicossocial. O paciente ao ter o diagnóstico inicia um processo de várias perdas como o impacto do diagnostico na vida pessoal, tratamento agressivo com alteração na auto imagem e risco de retorno da doença que reflete na programação dos anos de vida subsequentes.

O diagnóstico da doença pode desencadear reações de ajustamento ou desencadear gatilhos afetivos levando a quadro de depressão, ansiedade ou até mesmo psicoses.

Em estudo de autoria da enfermeira Carolina Linard de Oliveira e outros autores, da Faculdade de Enfermagem da Universidade Regional de Cariri (URCA), de Juazeiro do Norte – Ceará, em 2010, a autora avaliou a perda da identidade feminina em mulheres portadoras de câncer em tratamento quimioterápico.

Neste estudo foi avaliado 14 mulheres em tratamento quimioterápico, com idade entre 28 e 72 anos, a maioria de religião católica (86%) e as pacientes relataram ter muita esperança e aceitação do tratamento, com fortalecimento espiritual relacionado a religiosidade.

Também foi confirmado que o conhecimento do tipo de câncer informado pelo médico, foi de fundamental importância para o entendimento das alterações a ser enfrentadas pelas pacientes durante o tratamento.

Todas as pacientes envolvidas neste estudo foram unanimes em informar que o acontecimento da doença teve um impacto profundo e emocional e as alterações psicológicas mais frequentes foram: depressão, ansiedade, temor de solidão, temor da morte, dos efeitos do tratamento e temor dos sentimento de impotência e fracasso.

As pacientes submetidas a mastectomia tiveram uma importância maior em relação a questão da imagem corporal, pois a ausência da mama tem uma grande representatividade no universo feminino.

Em mulheres mais jovens com vida sexualmente ativa, a questão da imagem corporal interferiu muito na qualidade de vida e no relacionamento com o parceiro.

Muitas pacientes aparentaram mudanças na vida após o câncer, com a reconstrução de valores que representou mais uma oportunidade para repensar na vida e adquirir novos valores.

Os estudos sobre imagem corporal são amplos e complexos, envolvendo muitos autores que estudam a psique e suas relações com a imagem corporal e a interação com o meio o qual vivemos.

A imagem corporal é dinâmica e a adaptação a nova imagem no caso do câncer é um grande desafio que interpõe do ajustamento de pacientes a familiares associados ao momento de vida vivenciado e sua interpretação a integridade do corpo.

Toda experiência vem carregada de significados afetivos e emocionais com o devido impacto na imagem corporal.

Referências

-Rev. Rene, vol. 11, número especial, 2010. p. 53-60.

- Fundamentos da Educação Infantil Prof. Dorival Rosa Brito, pesquisa pela internet

- Revista Contexto & Saúde, Ijuí • v. 10 • n. 20 • Jan./Jun. 2011

www.drb-assessoria.com.br/7Esquemacorporal.pdf

www.ufrgs.br/

www.efdeportes.com/efd68/schilder.htm

* A Dra. Silvia Regina Graziani, CRM 56925, é Medica Oncologista Clinica, com título de especialista em Cancerologia (1992). Residência Médica: Hospital do Câncer A. C. Camargo. Mestrado e Doutorado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Médica do Instituto do Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho – IAVC, São Paulo.

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