Belchior 70 anos: confira um especial sobre o compositor e sua importância para a MPB - Hoje São Paulo
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28/10/2016 - 14h38m

Belchior 70 anos: confira um especial sobre o compositor e sua importância para a MPB

Portal EBC 
Divulgação/Philips
Cantor chega aos 70 anos de vida no mesmo ano em que "Alucinação", disco que o projetou, completa quatro décadas
Cantor chega aos 70 anos de vida no mesmo ano em que "Alucinação", disco que o projetou, completa quatro décadas

Brasília - Na data em que completa 70 anos, Belchior, um dos compositores que ajudou a propagar a música nordestina pelas vias do que chamaríamos de Música Popular Brasileira (MPB), é lembrado cada vez mais não só por suas canções “que de uma forma ou de outra estão no coração e na cabeça de muita gente”, como gostava de ressaltar nas entrevistas, mas também por sua ausência dos palcos, das rádios e da mídia em geral.

O artista deixou de fazer shows entre 2007 e 2008, e sua última entrevista para um veículo de imprensa foi concedida em 2009. Desde então, não se teve mais notícias do artista e a pergunta “Onde está Belchior?” tem ecoado em diferentes cantos do país, verbalmente ou escrita em muros e páginas nas mídias sociais, geralmente acompanhada da silhueta característica do músico.

Os 70 anos de Belchior coincidem com o ano que em que “Alucinação”, disco que o projetou, completa 40 anos. Para homenagear o artista, o Portal EBC resgatou entrevistas para rádio e televisão onde Belchior fala de sua vida e obra em diferentes momentos da carreira.

Onde está Belchior?

A pergunta não é exatamente nova, mas ganhou força devido ao maior a hiato da presença do artista junto ao seu público desde 1965, quando começou a se apresentar em festivais de música no Nordeste. Em uma entrevista concedida em 1987 para o programa Terça Especial, da Rádio Nacional FM do Rio, a apresentadora Geisa Herrera repassa ao cantor a pergunta que chegava com frequência dos ouvintes da Rádio: “Onde anda Belchior?”

“Realmente, essa pergunta tem me sido feita com uma frequência incrível nos mais diversos lugares. Veja que eu já estou dando a dica de que essa pergunta tem sido feita em lugares diferentes onde eu estou”, brinca.

Desde 2009, o músico não vem a público para responder a essa indagação, fato que contribuiu para aumentar especulação em torno de seu paradeiro e do motivo de seu sumiço. O produtor Marco Mazzola, responsável por lançar "Alucinação" pela Polygram e levar Belchior para a Warner – onde o artista cearense gravou seus cinco discos seguintes –, lembra que manteve contato com o cantor até cerca de cinco anos atrás, época em que o artista queria montar uma exposição com as suas telas.

“Nunca senti que pudesse haver uma coisa dessa na vida dele. Deve ser uma coisa muito poderosa, porque o empresário dele confidenciou a mim que se ele quiser voltar, paga todas as dívidas que ele tem”, conta Mazzola.

Ricardo Kelmer, admirador da obra de Belchior desde a adolescência em Fortaleza e organizador do livro “Para Belchior com Amor” – uma coletânea de escritores cearenses com textos baseados na música do compositor –, também percebe um clima de mistério em torno do paradeiro e das motivações para essa decisão do artista.

“Nem os amigos mais chegados aqui em Fortaleza com quem eu converso sabem decifrar exatamente esse mistério. Mas além de tudo, acima disso tudo acho que a arte dele é que deve ser lembrada e celebrada”, diz Kelmer.

Vida e obra

Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes nasceu em Sobral, no Ceará, no dia 26 de outubro de 1946, em uma numerosa família em que já havia tradição musical.

O artista cresceu rodeado pela vivência musical dentro de casa e ouvindo rádio dos vizinhos.Mudou-se para Fortaleza em 1962 para estudar Filosofia e Humanidades, e na capital cearense deu início a sua carreira artística, trabalhando como produtor de um programa musical na TV Ceará, Canal 2.

“Naturalmente me entusiasmando pela composição e pela música de um modo geral, ouvindo Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e música negra norte-americana tocada por um jazz band que existia vizinho a minha casa”, conta em entrevista de 1987 para a Rádio Nacional.

O Canal 2 era responsável por produzir os Festivais Populares da Canção Brasileira realizados na Bahia, em Pernambuco e no Ceará. Belchior se apresentou nesses festivais entre 1965 e 1970, onde se juntou a outros compositores como Fagner, Ednardo, Rodger Rogério, Teti, Cirino, geração de artistas que se tornou conhecida como “Pessoal do Ceará”.

É nesse momento que Belchior decide se dedicar exclusivamente à música e abandona o curso de medicina no quarto ano, em 1971, apesar da reprovação da família, que considerava essa opção uma aventura. Ao falar dessa escolha em entrevista para a Rádio Nacional em 1987, Belchior afirma que pretendia continuar nessa aventura durante muito tempo, pois seu desejo era “cantar a vida inteira”.

“Foi essa aventura que deu sentido à minha vida, que deu equilíbrio, que deu força e sobretudo me deu vontade de participar de uma forma mais viva e direta na poética brasileira, na arte popular do Brasil, o rádio, o jornal, a televisão e o desejo de, de alguma forma, influir no ambiente emocional e cultural do meu lugar”

Belchior

Belchior se mudou para o Rio de Janeiro em 1971 e venceu o IV Festival Universitário da MPB com a canção “Na Hora do Almoço”, cantada por Jorge Melo e Jorge Teles. A música marca sua estréia em disco com um compacto do selo Copacabana. “Mostrando que havia uma nova música popular brasileira sendo feita no Nordeste, especialmente no Ceará, que dava continuidade à tradição mas queria de alguma forma romper com ela”, diz ele em entrevista.

Em 1972, o compositor Sérgio Ricardo escolheu a música "Mucuripe", parceria de Belchior com Fagner para o Disco de Bolso do jornal Pasquim. Na sequência, a canção foi gravada por Elis Regina e alcançou projeção nacional. Do Rio, Belchior seguiu para São Paulo e em 1974 gravou seu primeiro LP pela gravadora Chantecler, com a música “Galos, Noites e Quintais”.

O momento decisivo que o projetaria nacionalmente como compositor, no entanto, ainda estava por vir.

"Alucinação"

Em 1976, durante a escolha das músicas para o repertório do show “Falso Brilhante”, de Elis Regina, uma fita K7 com canções de Belchior e o telefone do músico chegou às mãos da cantora. Ela havia chamado para trabalhar no show o jovem produtor Marco Mazzola. Com 28 anos, ele acabara de trabalhar em discos de Raul Seixas, Jorge Ben e Gilberto Gil. Um dia ela chamou Mazzola para ouvir aquelas canções e “Velha Roupa Colorida” e “Como Nossos Pais” foram escolhidas para o repertório do show e do disco de Elis que seria lançado posteriormente.

“Ela me mostrou, fiquei escutando e falei 'mas essas músicas são muito boas'. Aí ela falou que 'cê acha?', me mostrou “Velha roupa colorida” e “Como nossos pais”, e eu falei 'o cara só tem música muito boa'”, lembra Mazzola.

Em entrevista para a Rádio Nacional em 1987, Belchior lembra um depoimento de Elis Regina feito a ele sobre a música “Como Nossos Pais”:

“Como nossos pais foi gravada por Elis em primeira mão e ela me falou uma vez que era uma música difícil, complexa, com uma letra violentamente geracional, mas que ela não gostaria de ouvir essas palavras ditas por ninguém mais antes dela”, diz Belchior.

Impressionado com a qualidade daquele repertório, Mazzola perguntou sobre o compositor. O produtor teria ligado então para o número de telefone anotado na fita e a ligação caiu em um canteiro de obras, onde o músico morava na época. A versão contada pelo próprio cantor, no entanto, é diferente. Ele teria conhecido Elis em um ensaio com Toquinho e Vinicius de Morais.

Chegando ao Rio, Belchior mostrou ao violão a música “Rapaz Latino Americano”, e Mazzola decidiu gravar uma fita demo para apresentar o músico na Polygram, com a ideia de lançar um disco do artista. Mas na primeira conversa ele acaba sendo recusado pela gravadora. “Levei a fita pra reunião de produção, todos os produtores da companhia estavam e todo mundo vetou minha contratação, dizendo que o cara cantava nasalado, que o cara era muito feio, não sei o que”, lembra o produtor musical.

Mazzola decidiu ir até André Midani, presidente da Polygram na época. Na segunda tentativa, os produtores aceitam a contratação com ressalvas mas, com o apoio de Midani, Mazzola faz o disco. “Eu falei 'André, e aquele artista? Eu tô preocupado em fazer e depois dá errado e as pessoas vão falar...". Ele falou: 'menino, faz...faz menino'”.

O disco foi gravado como se fosse ao vivo: os músicos convidados ensaiaram com Belchior durante uma semana e as faixas foram gravadas em duas tardes.

Entre os músicos que participaram do disco estavam o pianista José Roberto Bertrami, o baixista Paulo César Barros, os guitarristas Antenor Gandra e Rick Ferreira e o percussionista Ariovaldo Cortesini.

“Alucinação” foi lançado pela Polygram em 1976, trazendo as músicas “Velha Roupa Colorida”, “Como Nossos Pais” e “Rapaz Latino Americano”. Quando essa última música chegou ao rádio na voz de Belchior e as duas anteriores já estavam conhecidas na voz de Elis, o compositor foi finalmente apresentado ao Brasil.

"Essa música vem sendo a minha identidade durante todo esse tempo; identidade não apenas minha mas de muitas pessoas da minha geração, que são definitivamente rapazes latino-americanos porque o Brasil em nenhum momento perdeu a sua identidade com a América Latina", comentou Belchior durante entrevista à Rádio Nacional do Rio de Janeiro em 1987.

Midani abriu a filial da Warner no Brasil e chamou Mazzola para trabalhar com ele, que por sua vez levou Belchior como seu primeiro artista contratado para a nova gravadora. Após o lançamento de "Alucinação", Mazzola deixou a gravadora mas continuou acompanhando os desdobramentos do trabalho com os antigos colegas. Já na Warner, produziu disco seguinte de Belchior, "Coração Selvagem" (1977), última parceria de trabalho entre os dois.

Entrevista à Rádio Nacional em 1979

Belchior permaneceu na Warner até 1982 e gravou cinco discos pelo selo. "Era uma Vez um Homem e seu Tempo" , terceiro trabalho dele pela gravadora e quinto de sua carreira, foi apresentado no ano de seu lançamento, em 1979, no programa Música Brasileira Especial, da Rádio Nacional FM do Rio de Janeiro.

“O trabalho do artista importa mais do que o significado particular da sua vida, então tudo que está dito, está cantado nesse disco, diz respeito a um personagem maior”, disse Belchior sobre o álbum.

Medo de Avião

“É uma música simples onde há memórias Beatles e eu incorporo emblemas, símbolos, signos de uma adolescência que pode tanto ser a minha como pode ser de muita gente”

Retórica Sentimental

“É uma música tropicalista (...). Nos referimos à tradicional poesia de Gonçalves Dias, à figura do sabiá, a figura do índio e relacionamos tudo isso com a produção recente de Música Popular Brasileira"

Brasileiramente Linda

"Essa música apresenta contatos nítidos, afinidades concretas bastante evidentes, como você pode ver por uma simples leitura da letra"

Espacial

"É uma música que relaciona a tecnologia sofisticadíssima da chegada do homem à Lua com o fato de nós sermos seres humanos frágeis e necessitarmos de coisas bastante primitivas como o pão, o amor, a convivência com as pessoas e a linguagem"

Pequeno Perfil de um Cidadão Comum (Belchior, Toquinho)

"Como o próprio título indica, é uma música sobre o homem comum, o homem cujo horizonte em sua vida é reduzido pela ânsia de vencer"

Voz da América

"É uma música que tenta um contato com a latinidade total, a latinidade que inclui o tango, o bolero, muitos e muitos cantores"

Tudo Outra Vez

"É uma música feita para as pessoas que estão voltando. Quem meteu o pé na estrada e sentiu saudade de casa, pessoas que estão voltando para o seu próprio país. Que estão voltando para os sentimentos que tiveram nos melhores tempos de sua vida".

Conheço Meu Lugar

"É preciso que muitas e muitas vezes os artistas façam esse tipo de letra, esse tipo de testemunho sobre o seu tempo, sobre a circunstância do seu tempo e sobre o ato da existência trágico"

Comentário a respeito de John (Belchior, José Luiz Penna)

"É um comentário a respeito de uma frase que sempre marcou muito minha relação com a música Beatle que é 'Hapinnes is a warm gun': a felicidade é uma arma quente. (...) É um comentário a respeito da felicidade, da alegria, a felicidade continua sendo a prova dos nove".

Meu Cordial Brasileiro (Belchior, Toquinho)

"É também uma música irônica sobre a famosa cordialidade brasileira (...), sobre o Brasil diante do qual a Europa sempre se curva"

Medo de Avião II (Belchior, Gilberto Gil)

"Aceitei imediatamente o convite carinhoso do Gil de fazer uma letra pra ele. Com esse projeto também nós quisemos explicitar uma quebra da linearidade entre letra e melodia, quer dizer, uma peça pode ser montada de diversos modos"

Crítica musical

"Antes de tudo ressalvo o direito democrático à liberdade total de expressão (...). Humildemente, eu prefiro com toda sinceridade os efeitos de uma música medíocre do que uma crítica de primeira"

Disco de autor

"As minhas músicas estão mesmo à exposição e à espera de intérpretes que se habilitem a cantá-las. Eu nunca guardei pra mim as músicas feitas para o meu LP; eu sempre esperei que intérpretes, pessoas que se dedicam especialmente ao ato de cantar e não de compor, chegassem até minhas músicas e gravassem em primeira mão."

Belchior e Ângela Rorô falam sobre composição

"Eu tenho um certo senso de delicadeza pessoal de não querer submeter meu próprio parceiro à minha loucura criativa, ao meu caos, a minha desordem de compor. Eu componho continuamente, desordenadamente (…)"

Belchior e Ângela Rorô falam sobre o timbre do artista

"O timbre é a própria forma sonora da alma do artista, a própria forma vocal de ser. A existência externa do artista se manifesta principalmente através do timbre."

Processo de gravação em estúdio

"Como artista eu me interesso por todas as fases da produção de música, eu quero saber de todos esses processos e quero fazer do conhecimento desses processos um dado criativo incorporado ao meu trabalho"

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