SÃO PAULO, SP (Folhapress) - Os comandos de campanha do presidente Hugo Chávez e o candidato da oposição, Henrique Capriles, assinaram nesta terça-feira um acordo para reconhecer os resultados da eleição presidencial na Venezuela, marcada para 7 de outubro.
O documento foi sugerido pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) na última quinta. A presidente do órgão, Tibisay Lucena, afirmou que o compromisso será capaz de manter a paz após o período eleitoral.
"As organizações política vieram, puderam aderir os que quiseram aderir, manifestar suas discordâncias, e em todo o caso, no maior ambiente de respeito e liberdade", disse a dirigente eleitoral.
O documento tem três pontos, incluindo o reconhecimento dos resultados oficiais emitidos pelo ente eleitoral "como expressão perfeita da soberania do povo venezuelano através do sufrágio". Também é pedido o respeito à Constituição e a não interferência com fatos "que atentem contra o bem estar do país".
Apesar da assinatura, a campanha de Capriles advertiu o comando eleitoral, dizendo que a ratificação do documento significa o cumprimento da Constituição. Para a oposição, isso quer dizer que o presidente Chávez não deve usar recursos públicos e abusar do uso de cadeias de rádio e televisão para fins eleitorais.
"Se o CNE não cria uma solução, se o CNE não gera um balanço na campanha exigindo ao Executivo o fim da cadeias nacionais, nós continuaremos nesse mesmo lugar, denunciando todos os dias", disse Enrique Márquez, integrante da campanha da oposição.
A aceitação de resultados é usada pela primeira vez na Venezuela. Recentemente, um contrato similar foi aplicado no México, criado após as eleições de 2006, em que o candidato Andrés Manuel López Obrador contestou o resultado do pleito presidencial contra o atual presidente Felipe Calderón.
Nas eleições deste ano, López Obrador também assinou o documento, mas da mesma forma não reconheceu a vitória de Enrique Peña Nieto, do PRI, acusando o adversário de fraude.
CHÁVEZ CENSURA JUÍZES E IMPRENSA
WASHINGTON, EUA; e SÃO PAULO, SP, 17 de julho (Folhapress/Luciana Coelho e Flávia Marreiro) - A organização pró-direitos humanos Human Rights Watch afirmou hoje que o governo do venezuelano Hugo Chávez conseguiu construir, após quase 14 anos no poder, um sistema articulado para impor punições e restrições a críticos do governo. Ele utiliza cada vez mais um modus operandi de baixa repercussão: a autocensura, quer no sistema judiciário ou na mídia.
No relatório "Apertando o Cerco: Concentração e abuso de poder na Venezuela de Chávez", divulgado hoje em Washington, a ONG descreve o processo pelo qual o governo passou a praticamente a controlar o funcionamento das mais altas cortes do país.
O esquema é definido por José Miguel Vivanco, diretor da Human Rights Watch para as Américas, como um aparato legal de fachada, que funciona a serviço do governo.
Vivanco comparou o governo Chávez com o de Alberto Fujimori (1990-2000), no Peru.
"O percussor desse modelo de governo na América Latina foi o Fujimori, no Peru, que mantinha uma fachada e usava todo o aparato [institucional] para seus propósitos políticos. Talvez essa comparação irrite ao governo venezuelano", disse ele, que chegou a ser detido na Venezuela em 2008 após a publicação de um relatório da HRW.
JUDICIÁRIO
Além da influência direta nas decisões, o texto chama atenção para o "efeito Afiuni", o temor espraiado no Judiciário após a prisão, em 2009, da juíza Maria Lourdes Afiuni, que leva cortes de primeira e segunda instância a se alinharem aos interesses do Executivo. Em outras palavras, autocensurar-se.
Em 2009, Afiuni deu liberdade condicional a um banqueiro desafeto do governo, foi atacada por Chávez na TV e horas depois detida. Desde 2011, ela foi transferida para prisão domiciliar após uma onda de críticas ao governo pelo caso.
A campanha por Afiuni envolveu até o ícone da esquerda americana, o linguista Noam Chomsky, que enviou carta a Chávez pedindo clemência para a juíza.
"A novidade deste relatório não é a parcialidade dessas instituições, mas que, durante anos, tem se construído uma nova marginalidade, redesenhado as instituições com o objetivo de validar as políticas do governo Chávez", afirmou Vivanco.
"A Suprema Corte abandonou sua função de servir como contrapeso do Poder Executivo e se converteu em uma instituição a serviço das causas do governo atual. Muitos juízes provavelmente são influenciados pelo caso da juíza Afiuni", diz Vivanco.
No relatório, a HRW cita depoimentos de juízes comentando o caso. "São decisões exemplificadoras que causaram além de temor, terror... Já não há só o risco de ver afetado seu cargo, mas também sua liberdade", disse um juiz que não se identificou.
"Um terceiro juiz contou a HRW que a maioria dos juízes se recusa a conceder sentenças contra "o que eles percebem como sendo o interesse do governo", ainda que nenhuma autoridade tenha comentado o caso em questão", segue o informe.
O "efeito Afiuni" funciona em conjunto com um problema de longa data do Judiciário venezuelano: a profusão de juízes provisórios, de livre remoção. Ou seja: exposição dos juízes a decisões dos colegas das altas cortes, que se declaram abertamente alinhados ao projeto chavista.
O alto índice de juízes de livre remoção não foi resolvido nos últimos anos, apesar da determinação em contrário da Constituição defendida e aprovada sob Chávez.
MÍDIA
O relatório da ONG compila um conjunto de leis de mídia que considera restritivas e descreve práticas de pressão continuada contra TVs e rádios que dependem de concessões do governo para funcionar.
É o caso da TV opositora Globovisión, que no mês passado foi obrigada a pagar uma multa milionária. Foi a punição determinada pelo Conatel, conselho considerado alinhado ao governo, por uma cobertura de uma rebelião penitenciária considera excessiva.
Como no caso do Judiciário, o texto alerta para um suposto efeito exemplificador das punições anteriores, com autocensura dos próprios jornalistas.
Importantes jornais nacionais, ainda que alvo de punições e censura expedida pontuais, circulam normalmente com duras críticas ao governo, como "Tal Cual", "El Nacional" e "El Universal".