Estrada de Cunha até Paraty está pronta, mas não atende às exigências ambientais - Hoje São Paulo
São Paulo, SP, 18/04/2024
 
25/03/2016 - 16h56m

Estrada de Cunha até Paraty está pronta, mas não atende às exigências ambientais

Agência Brasil/Isabela Vieira 
Agência Brasil/Tânia Rêgo
Nova rodovia ligará região do Vale do Paraíba, em São Paulo, a cidade turística de Paraty, no Rio de Janeiro
Nova rodovia ligará região do Vale do Paraíba, em São Paulo, a cidade turística de Paraty, no Rio de Janeiro

São Paulo - Depois de décadas de polêmica, a inauguração da estrada que corta o Parque Nacional da Serra da Bocaina, prevista para o fim do mês, pode ser suspensa. Traçada para encurtar o caminho entre o interior paulista e a cidade de Paraty, no Rio de Janeiro, o trecho, de dez quilômetros, não atende às exigências ambientais.

Contrapartidas descumpridas pelo governo do estado, responsável pela obra, incluem o fechamento da estrada à noite, restrição a veículos pesados, além de limite de velocidade. O tráfego, em períodos proibidos, tem causado atropelamento de animais.

Executada pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Rio, a Paraty-Cunha é uma reivindicação de quem transita entre a Costa Verde e o Vale do Paraíba. O trecho, pavimentado com blocos de concreto, para causar menos impacto ambiental, encurta em três horas, cerca de 270 km, a distância entre os estados. Foi pensada para estimular o turismo na cidade histórica de Paraty e em seu entorno, repleto de cachoeiras e praias.

Quando a obra foi autorizada, o chefe de Parque Nacional Serra da Bocaina, Francisco Livino, disse que a ideia era controlar a erosão e o tráfego clandestino na centenária estrada de chão, parte do antigo Caminho do Ouro.

A obra foi permitida com uma série exigências. Entre elas, constava a cobrança de pedágio, controle de velocidade de 40 quilômetros, guaritas nas duas pontas, mais uma sede administrativa para a fiscalização. As contrapartidas, chamadas de condicionantes, constavam das licenças ambientais.

“A obra está pronta e praticamente todas as condicionantes ambientais de controle de tráfego estão descumpridas. O governo do estado não cumpriu com praticamente nenhuma das suas obrigações”, disse Livino, chefe do parque há oito anos.

Ele alerta que a pavimentação da Paraty-Cunha aumentou o fluxo no coração do parque, que concentra 57% das espécies endêmicas da Mata Atlântica, inclusive animais em extinção como a onça-parda e o macaco bugio. Alguns animais foram atropelados e mortos no período que a rodovia estadual deveria estar fechada, depois do anoitecer.

O Ministério Público Federal tentou embargar a obra duas vezes, por falta de fiscalização na estrada. Os procuradores monitoram o descumprimento das contrapartidas e solicitaram explicações ao departamento de estradas e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. “Se insistirem na inauguração sem o cumprimento de tudo, pediremos a paralisação (novamente)”, antecipou a procuradora que acompanha o caso, Monique Cheker.

O Ibama avalia a aplicação de multas. Desde 2015, o instituto vem dando prazos para o cumprimento das medidas que vão proteger a fauna e flora da Bocaina.

Com as obras em curso, os construtores informam que não deixarão de cumprir com as obrigações previstas nas licenças. Mas a ideia é apresentar novas propostas. “Com o desenvolver do serviço, estudamos maneiras mais eficientes e mais práticas do que o fechamento da pista (à noite)”, por exemplo, disse o diretor de Obras e Conservação, José Beraldo.

Ele defende que, em vez das cancelas nas guaritas, seja feito monitoramento eletrônico 24 horas e on line, “o que nos permitiria multar veículos que desrespeitarem a sinalização”, explicou. As outras estruturas, segundo ele, serão erguidas depois de finalizada a pavimentação.

Na proposta original, cada veículo receberia um GPS na entrada da Paraty-Cunha, onde pagaria um pedágio, revertido para a manutenção das novas estruturas. O equipamento, que seria devolvido na saída, faria controle da velocidade e impediria a entrada ilegal de caçadores ou a permanência de pessoas não-autorizadas na unidade de conservação.

Morte de Animais

Na avaliação do chefe do parque, sem controle do trânsito há risco para a biodiversidade. Ele teme que aumente a entrada de pessoas que retiraram ilegalmente espécies de plantas, como palmito, orquídeas e bromélias. Teme também a ação de caçadores. Outro problema é o aumento do número de animais atropelados, pois os bichos da Mata Atlântica têm hábitos noturnos e cruzam a pista.

“O Parque da Bocaina é maior que todas as unidades federais de conservação no Rio, São Paulo e Minas Gerais. Consequentemente, a biodiversidade –que vai desde o mar, até uma área com 2 mil metros de altitude– traz uma riqueza de espécies que circulam por essa área e que circulam pela estrada, diz Livino”.

Para evitar que animais morressem atropelados, foram construídas zoopassagens, corredores em baixo da pista e instalações aéreas, no alto dos postes. O diretor do departamento José Beraldo disse que não é possível comparar o número de atropelamentos de hoje, com o de antes da pavimentação, quando não havia levantamentos, para saber se é relevante.

A equipe que faz o monitoramento das mortes, do professor Josué Setta, não tem autorização para dar entrevistas e não informou o número de animais atingidos desde o início das obras.

O Parque de Bocaina tem uma das mais diversas faunas dos biomas nacionais. Foram identificadas lá 82 espécies de mamíferos, sendo 39 ameaçadas de extinção, além de 288 espécies de aves, sendo duas em extinção e uma das maiores densidades de rãs, sapos e pererecas florestais.

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