Guarda Compartilhada - Hoje São Paulo
São Paulo, SP, 25/04/2024
 
18/07/2016 - 21h38m

Guarda Compartilhada

Agência Hoje/Dra. Regina Beatriz Tavares da Silva* 

A segunda lei da guarda compartilhada é o maior avanço legislativo dos últimos tempos, desde que seja efetivamente lida e interpretada sem preconceitos, sem a ultrapassada ideia da prevalência, quase suprema, da mãe na guarda de filhos.

Em vigor desde 2014, essa lei conservou o que era bom da primeira lei de 2008, como o conceito que diz respeito ao compartilhamento das responsabilidades, e alterou o que era necessário, em especial no que se refere à possibilidade de ser estabelecida pelo juiz mesmo quando não há acordo entre a mãe e o pai. Aliás, de pouco ou nada servia a primeira lei da guarda compartilhada, do ano de 2008, quanto à prevalência da guarda compartilhada, já que somente quando houvesse acordo poderia ser estabelecida; portanto, se houvesse acordo, nem mesmo seria necessária a lei.

A segunda lei veio estabelecer que, mesmo quando não houver acordo entre pai e mãe, a guarda compartilhada pode ser estabelecida pelo juiz. Isso porque é exatamente em muitos desses casos que o filho fica no meio da guerra de afetos.

Se durante o casamento ou a união estável pai e mãe escolhiam a escola, as atividades extracurriculares e os tratamentos de saúde dos filhos, por qual razão somente um deles, via de regra a mãe na guarda unilateral, deveria exercer essas escolhas tão relevantes aos filhos? Somente um motivo, expressamente previsto na segunda lei, pode acarretar essa total modificação no exercício do poder familiar pela fixação de guarda unilateral: se o pai não tiver aptidão para exercer a guarda.

Note-se que esse tipo de guarda, a compartilhada, não tem qualquer interferência na pensão alimentícia, de modo que quem tem possibilidades continuará a arcar com as despesas do filho, falar algo contrário é desconhecer a lei brasileira. É essa a única conclusão, de acordo com a lei: a pensão é medida pelas necessidades de quem recebe e as possibilidades de quem paga. Se o pai exerce a guarda compartilhada e é ele quem tem possibilidades de sustentar o filho, sem que a mãe possa ajudar nesse sustento, ele continuará a pagar pensão alimentícia, para custear as despesas de educação, de saúde, de alimentação, de moradia, de transporte, de vestuário e de lazer do filho, em ambas as casas, na dele e na da mãe.

Desde que os juízes não se influenciem por interpretações distorcidas, a lei tem sido bem aplicada. Uma primeira distorção é a interpretação equivocada de que essa lei estabelece divisão igual entre pai e mãe do tempo de convivência com os filhos. É lastimável que haja intérpretes que não se preocupam com o espírito da lei, que depende de conhecimento de seu histórico, do projeto respectivo e de sua tramitação no Congresso Nacional. No projeto constava a divisão igualitária de tempo. No entanto, no texto que foi aprovado, a lei estabelece a divisão equilibrada, ou seja, de acordo com a disponibilidade de tempo de cada um dos genitores e com a maior afinidade de um dos genitores com os filhos, equilibrada, enfim, conforme as circunstâncias de cada caso, sempre no interesse dos filhos. A guarda compartilhada, como diz a própria lei equivale a compartilhamento das responsabilidades e não a divisão do tempo.

É evidente a natureza pedagógica da lei, porque exige de ambos os genitores um esforço suplementar em prol dos filhos. Podem litigar sobre tudo, mas se ambos tiverem aptidão, não deve haver prevalência de qualquer um deles no exercício da guarda.

A guarda compartilhada, portanto, só pode ser utilizada quando ambos tiverem aptidão, ou seja, condições morais e comportamentos dignos, além de qualidades educacionais em relação aos filhos, sem que isso se confunda com aspectos materiais.

A igualdade entre homens e mulheres é comando constitucional. Se pai e mãe têm efetivamente aptidão, ambos devem ter a guarda dos filhos, de forma compartilhada.

Recomenda-se aos advogados que não promovam ações de guarda compartilhada quando seus clientes não têm aptidão para exercê-la. E espera-se que os magistrados não julguem em desacordo com o espírito da lei, que, inclusive, denota a necessidade de fixação de residência principal do menor, assim como de atribuição de responsabilidades aos pais na decisão, preferencialmente com o auxílio de equipe multidisciplinar.

* A Dra. Regina Beatriz Tavares da Silva é Presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões), doutora em Direito pela USP e advogada

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