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09/04/2012 - 17h58m

Violência e drogas, o desafio das Américas

AFP/Isabel Sánchez 
©AFP/Arquivo / Antonio Scorza
Suspeitos com maconha em favela de Maceió
Suspeitos com maconha em favela de Maceió
  • Centro de Convenções de Cartagena das Índias, onde a cúpula será realizada
  • Policial militar participa de operação em favela de Brejal, em Maceió

SAN JOSÉ (AFP) - A violência desencadeada pelos narcotraficantes e pelo consumo de pasta base de cocaína na América Latina representam um enorme desafio a ser debatido neste fim de semana na Cúpula das Américas, diante do fracasso da guerra frontal contra as drogas impulsionada pelos Estados Unidos.

O presidente Barack Obama será recebido por uma crescente exigência de um debate internacional sobre novas estratégias contra o narcotráfico, incluindo a polêmica despenalização das drogas, incluída na agenda pela Guatemala com o aval da Colômbia, anfitriã da reunião.

O encontro em Cartagena será a oportunidade de lembrar Obama sobre sua promessa de uma mudança na relação com a América Latina - substituída pela Ásia em seus interesses - no tema que mais interessa esta região, segundo governos e analistas.

Washington, que mantém vários países latino-americanos em sua lista "negra" do narcotráfico, condicionou ajudas à erradicação de cultivos na Bolívia, Colômbia e Peru - maiores produtores de coca do mundo - e fomentou polêmicas técnicas, como a fumigação aérea.

Após financiar há uma década o Plano Colômbia, o governo americano defende uma guerra frontal que é paga com milhares de mortos no México e na América Central, por onde passa 90% da cocaína consumida nos Estados Unidos.

Corpos decapitados aparecem em fossas clandestinas ou até na porta de uma escola no México, em meio à ofensiva de combate às drogas do governo de Felipe Calderón, que em cinco anos deixou cerca de 50 mil mortos.

Poderosos cartéis mexicanos - como Los Zetas - realizaram operações na América Central, e, junto com as gangues, fizeram da empobrecida região a mais violenta do mundo, segundo a ONU, com 40 homicídios para cada 100 mil habitantes, cinco vezes a média mundial.

Washington apresenta a Colômbia como sucesso de sua estratégia. Mas em cidades como Cali ocorre uma forte luta entre grupos pequenos e médios, herdeiros dos grandes cartéis dos anos 80.

Os narcotraficantes aumentam cada vez mais suas operações de lavagem de dinheiro na região, abrem mercados internos e pagam em cocaína os que distribuem e transportam a droga.

"O consumo de cocaína se generalizou em quase toda a América Latina e o Caribe. Já não é uma droga exportada apenas para o norte", disse Francisco Cumsille, do Observatório Interamericano sobre Drogas da OEA.

Os jovens pobres estão se matando pelo crack - ou pasta base da cocaína - como na cidade brasileira de Maceió, onde um viciado pode morrer por menos de três dólares pelas mãos de um traficante.

Segundo o organismo da OEA, a metade de consumidores de cocaína no mundo vive na América, segundo continente mais violento do planeta, com 16 assassinatos - um a menos que a África - por cada 100 mil habitantes, de acordo com o estudo de homicídios da ONU de 2011.

"Será que esta é a realidade que nos tocou e não há nenhuma outra solução às drogas ou será que há outra e nos fechamos para ver outra possibilidade?", questionou a chanceler colombiana, María Ángela Holguín, às vésperas da cúpula.

A surpreendente proposta de descriminalizar a droga lançada em fevereiro pelo presidente da Guatemala, Otto Pérez, enfrenta rejeições, mas levou seus colegas centro-americanos a falar das alternativas à guerra ao narcotráfico e a levantar a voz para exigir que os Estados Unidos assumam sua responsabilidade como maior consumidor de cocaína do mundo.

Washington se opõe frontalmente à despenalização e nas últimas semanas mobilizou uma ofensiva diplomática no istmo, encabeçada pelo vice-presidente Joe Biden, que, segundo Pérez, conseguiu dividir a região.

"Temos que ser capazes de fazer propostas, não podemos estar abaixando a cabeça", disse Pérez ao acusar os Estados Unidos de boicotar em março uma cúpula centro-americana que debateria sua iniciativa para levar uma postura comum a Cartagena.

Mas multiplicam-se as vozes que pedem uma reforma da política antidroga. O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, se disse disposto a considerar a descriminalização se existir um consenso global.

Figuras como os ex-presidentes César Gaviria (Colômbia), Fernando Henrique Cardoso, Ernesto Zedillo e Vicente Fox (México), empurram os governos a um diálogo que rompa o status quo.

"Deve haver (em Cartagena) uma negociação que coloque todas as opções sobre a mesa, aberta e honesta, que leve à elaboração de novas estratégias. Pode ser o primeiro passo real em direção" a uma nova relação de "sociedade" entre Estados Unidos e América Latina, opinou a ONG Oficina em Washington para Assuntos Latino-Americanos (WOLA).

Apesar da violência que atinge sua fronteira sul e embora exijam resultados, os Estados Unidos reduzem a ajuda antidroga na América Latina, argumentando limitação de orçamento.

A diminuição proposta pelo governo de Obama para o ano fiscal 2013 afeta sobretudo o México (de 248,5 milhões de dólares em 2012 e 199 milhões) e a América Central (de 100 a 86,2 milhões).

Em um grande contraste, Washington dedicou à guerra no Afeganistão cerca de 444 bilhões de dólares em dez anos e 770 bilhões de dólares desde 2003 às operações no Iraque.

"Passar o chapéu aos Estados Unidos pelo dinheiro não vai dar resultado, e, além disso, não estamos em suas principais preocupações. É a América Latina que deve buscar outros caminhos", comentou à AFP o especialista costarriquenho em segurança Álvaro Ramos.

Enquanto as forças de segurança latino-americanas carecem de treinamento e equipamentos, os cartéis têm aviões, lanchas, barcos e até submarinos, que descarregam no México e na América Central a droga, que depois segue por terra para os Estados Unidos.

"Apenas na Mosquitia (Caribe hondurenho) há cerca de 20 pistas clandestinas. Ninguém quer trabalhar esperando que caiam do céu os fardos de cocaína", disse à AFP Ángel Zúñiga, vice-diretor de Serviços Especiais de Investigação da Polícia de Honduras.

Apenas 33% da droga que é detectada na América Central e México consegue ser apreendida pela falta de recursos, segundo o chefe do Comando Sul americano, general Douglas Fraser. "Simplesmente não há capacidade", admitiu.

No entanto, a metástase do narcotráfico avança rapidamente, infiltrando instituições dos Estados, em um explosivo coquetel ao qual se soma a pobreza de 30% (174 milhões) de latino-americanos.

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